COMO A ORDEM É ECONOMIZAR ÁGUA, A GERAÇÃO DE MEGAWATTS DAS HIDRELÉTRICAS TEM FICADO ABAIXO DO VOLUME PROJETADO.
A incapacidade das usinas hidrelétricas em entregar o total de energia prometida nos contratos de geração causou um rombo de R$ 3,015 bilhões aos donos desses empreendimentos apenas em setembro, informa a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Essa dívida é resultado direto do baixo nível dos reservatórios em todo o país. Pelo modelo elétrico, toda usina tem uma garantia mínima (firme) de energia que precisa entregar mensalmente. Para manter um nível mínimo de segurança energética, ou seja, a garantia de abastecimento de todo o país ao longo do ano, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) determina uma quantidade máxima de água que cada usina pode usar.
Como a ordem é economizar água, a geração de megawatts das hidrelétricas tem ficado abaixo do volume projetado. Em contrapartida, é ampliado o volume de geração térmica, para assegurar que não haverá desabastecimento.
O resultado dessa equação sobra para o dono da usina. Quando a conta não fecha, cabe às hidrelétricas adquirir a energia que falta no mercado de curto prazo de geração. A situação preocupa as empresas, já que o preço dessa energia extra tem frequentado o valor pico estabelecido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (R$ 822) – justamente por causa do acionamento constante das termoelétricas, mais caras.
Em setembro, aponta a CCEE, o valor médio do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD)ficou em R$ 728,95 por megawatt/hora. Somados os prejuízos das hidrelétricas, calculados pela CCEE desde janeiro, a dívida a ser compartilhada por todas as hidrelétricas já chega a R$ 16,4 bilhões neste ano. Para outubro, as estimativas apontam para um acréscimo de mais R$ 2,804 bilhões.
A expectativa no setor é de que o volume a ser desembolsado pelas hidrelétricas comece a cair a partir de novembro, quando tem início a época de chuvas.
Os dados do Ministério de Minas e Energia apontam que, em agosto, o volume de água que corre nos rios do País, a chamada afluência das bacias hidrográficas, foram inferiores à média histórica. No Nordeste, foi registrado o pior valor para o mês de agosto em 82 anos.
No mês, foram registrados 15.523 MW médios de geração térmica programada pelo ONS, para atenuar a redução dos estoques dos reservatórios. Esse volume foi cerca de 1.000 MW médios acima do verificado no mês anterior.
Hidrelétrica no Tapajós
A maior hidrelétrica prevista para ser construída no País acumula mais de quatro anos de atraso em relação ao cronograma originalmente previsto. A situação da megausina de São Luiz do Tapajós, no Pará, tem obrigado o governo a buscar outras alternativas para suprir a demanda futura de energia.
Desenhada para retirar 8.040 megawatts das águas do Rio Tapajós, a usina tinha previsão de iniciar suas operações em janeiro de 2016, segundo cronograma da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Hoje, o prazo mais otimista joga essa data para agosto de 2020.
As dificuldades para realizar o leilão de São Luiz estão diretamente ligadas à complexidade socioambiental do empreendimento, com impacto em unidades de conservação ambiental e terras indígenas. A Fundação Nacional do Índio (Funai) decidiu na terça-feira, 30 de setembro, rejeitar a viabilidade do projeto. A decisão, revelada no portal Estadão.com, foi tomada após análise dos dados do estudo sobre impactos indígenas da usina. O levantamento foi elaborado por uma empresa contratada pela Eletrobrás, estatal que encabeça o projeto.
Em seu parecer, a Funai conclui que São Luiz significa 14 impactos negativos aos índios e terras indígenas – seis dos quais, irreversíveis. Na avaliação da autarquia, o projeto é inconstitucional por alagar áreas indígenas, o que é proibido pelo artigo 231 da Constituição.
O parecer da Funai, assinado pela presidente Maria Augusta Assirati, deve ser encaminhado entre esta quarta-feira, 01, e a sexta-feira, 03, ao Ibama, a quem caberá fazer a avaliação conclusiva sobre a viabilidade da usina. A Funai não comenta o assunto. Pelas regras do licenciamento ambiental, a Funai não tem poder de paralisar o empreendimento, ou seja, se o Ibama entender que a usina é viável, poderá apresentar justificativas e ações de compensação ao índios e, dessa forma, liberar o licenciamento ambiental da obra.
Tamanho
O atraso de São Luiz compromete o planejamento energético devido à sua magnitude. Dos 18 novos projetos hidrelétricos previstos para entrar em operação entre 2019 a 2023 – um conjunto de usinas que soma 14.679 MW -, a usina de São Luiz representa sozinha 55% de toda energia.
Prevista para ser a primeira hidrelétrica construída no Tapajós, São Luiz seria alimentada por um reservatório com área de 729 quilômetros quadrados e uma barragem de 7,6 quilômetros de extensão. Apesar de o governo insistir que o empreendimento não afeta terras indígenas, há aldeias situadas a poucos quilômetros do ponto previsto para a barragem, como a Sawre Muvbu, de índios mundurucus.
O governo alega que essas terras não foram homologadas e que, por isso, não poderiam ser reconhecidas como terra indígena. O jornal O Estado de S. Paulo apurou, no entanto, que pedidos de homologação de terras foram feitas anos atrás, mas o processo não avançou. Até dois anos atrás, a Funai em Itaituba (PA) já tinha identificado cinco aldeias dos índios mundurucu na região – uma população de aproximadamente 500 pessoas. Há uma forte apreensão sobre a reação dos índios que vivem no Alto Tapajós, onde nasce o rio, na divisa do Mato Grosso com o Pará. Aproximadamente 12 mil índios mundurucus habitam essa região.
As polêmicas do projeto não se limitam aos atritos com os índios. Para viabilizar a usina, o governo reduziu, em 2012, as áreas de florestas protegidas na região. No último dia 17, o governo chegou a anunciar que faria o leilão de São Luiz em dezembro. Um dia depois, o Ministério de Minas e Energia cancelou o certame, que agora não tem data para ocorrer. Procuradas pela reportagem, a Eletrobrás e a EPE não responderam os pedidos de entrevista.