O diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) José Jurhosa admitiu que pode rever sua proposta de alterar os valores e o pagamento da eletricidade vendida no chamado mercado à vista, em que não há contrato e os preços estão sujeitos à volatilidade. A declaração foi dada nesta segunda-feira (3) após audiência pública em Brasília em que agentes do setor questionaram as mudanças.
Jurhosa disse estar “surpreso” com a rejeição quase unânime à sugestão da agência. Apesar de apelos para que o assunto seja discutido apenas ao longo de 2015, manteve a previsão de que a diretoria deve tomar uma decisão final até 25 de novembro.
“Foram, em parte, uma surpresa [os questionamentos à proposta]. A gente achava que [as mudanças] podiam ser um avanço”, disse Jurhosa. “Se for unânime [a oposição à proposta], vamos com certeza relevar. Não é nosso interesse trazer prejuízo à sociedade”, completou o diretor.
O que muda
Apresentada em meados de agosto, a proposta prevê duas mudanças importantes: a redução do valor máximo a ser cobrado pelo megawatt-hora (MWh) de energia no mercado à vista, dos atuais R$ 822,83 para R$ 388,04; e a previsão de que eventuais custos extras produzidos por essa redução sejam pagos apenas por quem usa a energia – hoje, a conta é rateada entre todos os consumidores.
Em situações normais, a energia no mercado à vista é relativamente barata. Entretanto, nos últimos meses ela encareceu muito e atingiu o teto de R$ 822,83, devido à estiagem e consequente queda no nível dos principais reservatórios de hidrelétricas do país.
A simples disparada desse valor, no entanto, não teria efeitos significativos. O problema é que hoje boa parte das distribuidoras não tem, sob contrato e a preços fixos, toda a energia necessária para atender aos consumidores. Por isso, elas precisam recorrer ao mercado à vista e pagam caro pelo insumo. E esse custo extra é repassado às contas de luz.
Essa situação acabou gerando uma conta bilionária para as distribuidoras, que alegaram não ter recursos para cobrí-la. Assim, em março, o governo anunciou um plano de socorro em que seriam tomados empréstimos bancários para pagar pela energia comprada no mercado à vista e também o custo extra pelo uso mais intenso das termelétricas.
Foram tomados dois empréstimos, no valor total de R$ 17,8 bilhões. Os consumidores vão pagá-los ao longo dos próximos três anos (de 2015 a 2017). Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), porém, ao final do processo, os empréstimos vão custar aos brasileiros R$ 26,6 bilhões.
Simulação apresentada durante a audiência pública pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) aponta que, se o teto de R$ 388,04 proposto estivesse valendo em 2014, geraria aos consumidores uma economia de R$ 7,3 bilhões apenas entre fevereiro e agosto.
Repasse de encargo
Apesar de o preço da energia no mercado à vista ter um teto (R$ 822,83), existem termelétricas cujo custo de produção supera este patamar. A diferença entre os valores gera um encargo, chamado de ESS, que hoje é rateado entre todos os consumidores.
Pela proposta da Aneel, porém, a partir de 2015 esse custo extra de ESS passaria a ser pago apenas pelos consumidores das distribuidoras que estão, de fato, consumindo essa energia mais cara. Esse foi o ponto da proposta mais questionado durante a audiência pública.
Representante da Abradee, associação que reúne as distribuidoras, Daniel Mendonça apontou que a alteração “pode gerar situações financeiras insustentáveis”, já que poucas, ou mesmo uma única distribuidora, pode ser obrigada a arcar com uma conta muito alta e, depois, repassá-la a um grupo pequeno de consumidores.
O gerente da área de Regulação de Gás e Energia da Petrobras, Dean Carmeis, disse que a mudança “traz riscos imprevisíveis” para os agentes do setor elétrico. Ele também apontou que o novo valor teto proposto pela Aneel, de R$ 388,04, “é um critério tecnicamente frágil” e precisa ser atualizado. A Petrobras é dona da termelétrica de Mário Lago, cujo preço de produção foi usado pela agência para determinar o novo valor teto.
Diante dos questionamentos à mudança no rateio do ESS, Jurhosa disse que as contribuições feitas durante a audiência pública serão analisadas e que, ao final, pode decidir pela retirada desse ponto da proposta, mantendo o atual sistema de rateio do encargo entre todos os consumidores.